Pinturas de Sepp Baendereck: Petite Galerie, Rio de Janeiro

22 Abril - 20 Maio 1974
Quero me manifestar à favor da pintura, também com palavras, agora que proponho à vista do público o meu trabalho realizado no decorrer dos últimos 14 meses em São Paulo, Espanha, Paris e Ilhabela. A arte exprime a gravidez da natureza, da qual é criada - assim ela celebra a natureza. A experiência estética é perceptível em toda a rota que a humanidade percorre e se situa bem na origem dela. A natureza se desvenda para o homem sensível, que pode ler as grandes imagens que ela lhe oferece, experimentando sua familiaridade com o mundo. 
Uma obra de arte nasce secretamente e de uma maneira misteriosa. Uma vez criada, separa-se do artista e assume vida autônoma. A obra então, alimentada da admiração dos expectadores, passa a existir e adquirir força para criar em torno de si mesma aquela força espiritual cuja função é de elevar, de melhorar o homem. Nisto consiste no final de contas todo o segredo da arte, um segredo de conteúdo ético. 
No meu conceito, a arte não existe apenas como meio de comunicação ou transmissão de informações, contestação ou protesto (Dubuffet: "A verdadeira missão da arte é subversiva". Rauschenberg: "Ser pintor é ser opositor"), muito mais que isso, sempre foi e continua sendo um caminho de esforços que leva o homem à melhora espiritual. O sentido moral está estreitamente ligado ao senso estético. Sem estética, não há moral! Há uma sede de beleza no homem. A capacidade de sentir o belo da natureza como também do nosso ambiente cultural é imprescindível para a saúde psíquica e moral das pessoas. Sem moral, não há estética.
O mais pacifico dos homens reage com violência ao ver uma criança sendo maltratada ou uma mulher sendo violentada. O belo e o feio são reais, como o bem e o mal. Quem não sente e não compreende isso, por certo está doente. 
A humanidade contemporânea está em crise, as grandes massas das sociedades desorientadas, confusas e apáticas, perderam noções e critérios de valores, a neofilia devastando os espíritos ávidos por consumir mais, e mais, e mais. Os sábios nos alertam sobre os perigos da degeneração genética, da destruição ecológica e da própria humanidade. O homem é um ser da civilização por sua natureza, ou seja sua filogenese. Seus impulsos naturais e o controle consciente imposto pela sociedade formam um sistema único no interior do qual esses dois fatores se complementam. Este equilíbrio delicado é facilmente perturbado. O poderio absoluto da razão humana e da educação mostra-se inoperante. A opinião pública é inerte, ela só reage depois de longos períodos de insensibilidade. É tarefa dos sábios tentar frear o mais depressa possível o processo de destruição ecológica e cabe aos artistas salvar a humanidade da degeneração da "anticultura" e "antiarte". Aqui está o meu engajamento. 
 A atitude geral do artista de hoje, com raras exceções, não é autônoma. Ele perdeu aquele fervor quase religioso na realização de sua obra, substituindo-a por uma corrida desenfreada pelo sucesso e aceitação. Assim, ele responde a um background, ou mais corretamente, ao tom dominante da época. Ora, o tom presente é resultante de esperanças frustradas para um mundo melhor, mais justo, e óbvias falsificações de valores básicos, tais como liberdade, justiça e direitos iguais. Numa sociedade que pouco oferece, qualquer recurso parece justificado, válido. A ameaça latente de destruição total da humanidade do outro lado, inculca a sensação de efemeridade de todas as coisas, arte em particular, e a necessidade de viver em compasso acelcrado. É óbvio que um tal estado de espírito só pode dar nascimento a uma arte efêmera, uma arte de divertimento, com tendência ao espetacular, envolvendo-se o próprio artista no espctáculo. Temos o fenômeno das vanguardas ad perpetuum. Neofilia fenomenal alimentando-se de opulentas mediocridades! 
Eu acredito na outra arte, na pintura que faço e que estou mostrando. Como alternativa, como proposição, porque sou otimista. Trabalho dentro de um processo lento, paciente, sem competir. O mistério deste caminho é que me capacita a sofrer pelo que anseio conquistar. 
Aos 6 anos de idade, desenhava cavalos, aos 10, navios, aos vinte, o corpo humano, aos 25, gravava em madeira, aos 35, signos e símbolos e aos 48 voltei à figura, bichos, flores e paisagens. 46 anos de aprendizagem dão a medida do meu dominio técnico. Geralmente não tenho nenhuma consciência quando trabalho, mas quando termino um quadro e verifico que a imaginação (fantasia) e a necessidade de expressão se equilibram, isto é, quando os extremos da minha idéia e da técnica se integram - composição, cores, elementos formais, tradição, psicologia, intenção criadora - dou-me por contente. 
 
Sepp Baendereck Ilhabela, fevereiro de 1974.